Cultura à vista ou conversa fiada – Cultura, Ideologia e Alienação, por Mutti Kirinus
Sabiamente, enunciou uma vez, o pensador Paulo Freire: “É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal forma que, num dado momento, a tua fala seja a tua prática.”
No artigo do mês de março, fizemos uma referência a uma ideologia da demonização da cultura.
Mas qual é o sentido de ideologia utilizado em tal artigo? Ora, é justamente isso: quando um discurso (oral, escrito, ou através de imagens) é utilizado para conquistar o consentimento da população e não condiz com a realidade. Se buscarmos a verdade dos fatos, podemos comprovar se um discurso é puramente ideológico ou verdadeiro. Quando não buscamos e, somente, repetimos um discurso manipulador, sem tomar consciência dos seus fundamentos, para convencer os outros, ou a nós mesmos, estamos em um estado de alienação, e o discurso ideológico cumpriu o seu papel. Assim, o conceito de alienação significa afastamento da realidade.
Há, porém, uma maneira mais sutil de alienação, à qual estava se referindo o grande educador. A diferença entre o discurso e o exemplo. Isso, porque é sempre mais fácil falar da generosidade do que ser realmente generoso. O discurso de forma geral é mais fácil de modelar do que a realidade. Assim, podemos, no âmbito pessoal, facilmente cair, em maior ou menor grau, no chavão “faça o que eu digo mas não faça o que eu faço!”
Desde que iniciei o trabalho com ensino musical em Itapoá, em 2007, nunca conheci ninguém que não falasse bem de tal atividade e dos trabalhos culturais de modo geral. Entre elas, sempre estiveram representantes de diversas entidades religiosas; homens públicos; representantes de entidades filantrópicas; empresários e trabalhadores dos mais diferentes setores e classes sociais. Tal fato faz retornar constantemente a questão: por que, então, o trabalho com a arte e cultura é tão difícil, se no âmbito do discurso ele é tão aclamado?
Dentro do sistema econômico e do trabalho vigente, a valorização de uma atividade acontece através da remuneração do serviço prestado. Assim, todo evento cultural que não remunera os artistas e utiliza apenas o voluntariado não está realmente valorizando a cultura na prática.
Dentre as diversas empresas que poderiam utilizar o benefício fiscal para investir em cultura em Itapoá temos apenas uma (o Porto Itapoá) que o faz. Das pessoas físicas que poderiam também fazê-lo, menos de 1% utilizou deste benefício no ano passado, 10 pessoas no total.
Com incentivo direto (sem desconto no Imposto de Renda), atualmente, conheço apenas dois mecenas que patrocinam estudantes de música em Itapoá. Ou seja, a grande maioria das pessoas em condições de investir em cultura, seja por incentivo direto ou fiscal, estão, consciente ou inconscientemente, mais próximos da atitude de lavar as mãos, como citei no artigo Mecenas ou Pilatos, da Tribuna de Itapoá.
Se, no sistema econômico capitalista, a valorização do trabalho é a moeda. No âmbito existencial, a moeda da existência é o tempo. Não há nenhuma valorização da cultura, que não seja apenas ideológica, sem uma dedicação real de tempo a uma atividade cultural. O estudo, o ensino, a leitura, a participação de um grupo de qualquer segmento artístico ou a presença e contemplação estética de uma apresentação artística são modos de uma valorização efetiva da cultura.
Enfim, esta coluna cumprirá seu objetivo quando consegue contribuir para proporcionar reflexões sobre o tema. Desse modo, com a interiorização dos assuntos pertinentes a ela, a palavra cultura e o discurso sobre seu valor poderão, quem sabe, gerar atitudes reais, e a fala pode se tornar também uma prática. E não como se diz, ser algo “da boca pra fora”.
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Muito bem lembrado neste artigo o grande e saudoso educador Paulo Freire que resgatou no seu “que fazer educativo” o conceito “praxis”. Dizia ele que a PALAVRA AUTÊNTICA (não alienada) contem em seu bojo a reflexão e a ação. Reflexão e ação fazem parte do diálogo educativo das comunidades eclesiais de base e do processo de alfabetização idealizado por Paulo Freire.
Palavra sem reflexão é:
“a t i v i s m o” barato e inconsequente.
E a palavra sem ação é:
“v e r b a l i s m o” discurso ideológico, falácia, palavra inconsequente.
Assim também Martim Lutero o reformador da Igreja que atualmente completam quinhentos anos dizia que só a fé salva, mas a fé sem obras é morta. Ou seja o conceito de “praxis” onde a reflexão está vinculada a ação na palavra de fé não alienada é anterior a filosofia marxista que resgatou este conceito.