Demonização e Carnaval, por Mutti Kirinus

Em pouco tempo, desde que iniciei a escrita desta coluna cultural, primeiramente na Tribuna de Itapoá e, agora, no jornal Itapoá Notícias, presenciei vários fatos que podemos associar a um único processo: o de Demonização da Cultura. São eles: tentativas caluniosas de criminalização da lei Rouanet; difamação de artistas de renome no cenário nacional; tentativa de fechamento do Ministério da Cultura; não obrigatoriedade do ensino de Educação Artística no currículo escolar; cancelamento da Oficina de Música de Curitiba; fechamento do Ballet do Teatro Guaíra; inúmeros casos de fechamento ou redução de recursos para orquestras de grandes cidades e grupos artísticos em todo o Brasil; e por fim, o cancelamento de apoio ao carnaval de rua de Curitiba, São Francisco e outras cidades.

Esse processo somente é possível com a propagação de uma ideologia que coloca o trabalho com cultura como supérfluo, de segundo plano, não necessário e até como um entrave, um obstáculo para a organização do Estado em tempos de suposta crise econômica. Essa ideologia penetra na classe média e atinge também a população em geral, a classe trabalhadora, e com seu consentimento e aprovação, permite que medidas como essas sejam aceitas e, muitas vezes, até aplaudidas.

A ideia de que o trabalho com cultura é despesa e desfalca outros setores como saúde, educação, segurança é a principal falácia recorrente. Esse trabalho, ao contrário do que se prega, se bem conduzido, valorizado e com profissionais qualificados, movimenta a economia local, gera emprego e renda. Seu custo, comparado com o dos outros setores, é infinitamente pequeno. Ele contribui concomitantemente para acréscimos na área de saúde, educação e segurança a médio e a longo prazo.

Comprovadamente, não sendo um ônus para a sociedade, desde sempre, as artes mantém um papel ainda mais importante do que esse. O de constantemente recordar o homem de sua humanidade, e assim, fazê-lo constantemente retomar o caminho em direção a ela. Este papel também presente na filosofia e religião não pode ser negligenciado e nem posto como de segunda ordem. Aliás, é a ausência desta rememoração que causam as doenças sociais como a corrupção generalizada, a criminalidade, violência, alienação, intolerância, individualismo, etc.

Itapoá, no presente momento, parece viver um caso de exceção que esperamos que perdure por muito tempo. A prioridade conquistada para a Cultura na atual gestão participativa através da reunião no setor de Itapema do Norte, já deu seu primeiro passo. Este ano, tivemos em Itapoá, o ‘Carnaval Cultural’. Bela Iniciativa! Somente a escolha deste título já nos recorda e coloca esta festividade no seu devido lugar. Assim como outras festividades, carnaval é cultura sim, sempre o será. Inseridos no processo de demonização da cultura, foi preciso rebatizá-lo para lembrarmo-nos disso. Sonho com o dia em que, não apenas em Itapoá mas em todo o Brasil, com o aumento da consciência sobre o trabalho cultural e o valor de suas manifestações, este título ‘Carnaval Cultural’ venha a ser novamente compreendido como um feliz, proposital e inspirado pleonasmo.

Mutti

Mutti

Helmuth A. Kirinus é mestre em Filosofia pela UFPR, formado em gestão cultural e músico. Atualmente coordena 8 projetos via lei Rouanet de incentivo à cultura e 4 via Sistema Municipal de Desenvolvimento da Cultura de Joinville. É professor de violão e coordenador da Escola de Música Tocando em Frente em Itapoá. Atua também como representante técnico do setor Comunicação e Cultura dos projetos do Ampliar pelo Porto Itapoá.

Um comentário em “Demonização e Carnaval, por Mutti Kirinus

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    17 de março de 2017 em 19:04
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    Grande Mutti,
    Acho que enfim você encontrou sua vocação, um pouco seu pai, um pouco sua mãe, totalmente você: um escritor nato, sensível e que sabe ser duro na defesa de seus ideais e das causas que acredita. Parabéns amigo!
    Forte abraço.

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