Sobre natural, por Mutti Kirinus

No segundo artigo da coluna cultural no site Tribuna de Itapoá (Você tem fome de quê?, março de 2016) esclarecemos a diferença dos vários sentidos em que a palavra “cultura” é usualmente utilizada. No seu aspecto mais abrangente, podemos chamar de cultura tudo aquilo que “não dá em árvore”, ou seja, tudo aquilo que, pela mão do ser humano, deixou de ser autenticamente natural. Antropologicamente, podemos chamar de cultura, os costumes de um povo, o seu “jeito”, ou a sua filosofia enquanto conjunto de princípios que, conscientes ou não, determinam o modo operante deste povo. E podemos chamar também de cultura o conjunto do patrimônio material e imaterial deixado pelas diversas artes, ciência e filosofia no decorrer da história da humanidade.

Já sabemos que, se tratando de políticas de fomento à cultura, é sobre esse último sentido da palavra que nos debruçamos buscando o apoio e manutenção dessas atividades em nossa sociedade. No entanto, o uso de qualquer um dos sentidos dessa palavra está correto.

Desta vez, daremos um pouco de atenção ao seu sentido primeiro de um acréscimo ao natural. É muito comum, principalmente no universo musical, associar a qualidade de um artista a um dom. Com ou sem ele, a dura verdade é que ninguém se torna um músico de qualidade sem, no mínimo, 10 anos de estudo e prática diária. Ou seja, em qualquer segmento, ninguém nasce artista. É preciso acrescentar algo à natureza humana para desenvolver as potencialidades que cada arte exige.

Esse acréscimo só é possível através de um constante trabalho de formação continuada. É preciso criar escolas com incentivo público ou privado nos diversos segmentos das artes para que essas sobrevivam; valorizar e dar oportunidade aos profissionais do ensino dessas diferentes artes; oportunizar o acesso gratuito à população; e favorecer a manutenção das atividades que já acontecem nesse setor. Mais do que festivais para mostrar talentos escondidos é preciso local e oportunidade para lapidar estes talentos. Não se pode fazer surgir uma banda em um estalar de dedos, ela só pode acontecer sobre uma base sólida onde vários estudantes exercitem a prática de seus instrumentos através dela. Da mesma maneira, o trabalho de formação de plateia só acontecerá quando a contemplação artística fizer parte da rotina mensal da cidade.

Ora, essa é justamente a essência do valor que a cultura carrega consigo, saber que, não perfeitos mas perfectíveis, somos, através dela, levados para além de nós mesmos. Não existe mágica, mas sim um trabalho sobre o natural.

Mutti

Mutti

Helmuth A. Kirinus é mestre em Filosofia pela UFPR, formado em gestão cultural e músico. Atualmente coordena 8 projetos via lei Rouanet de incentivo à cultura e 4 via Sistema Municipal de Desenvolvimento da Cultura de Joinville. É professor de violão e coordenador da Escola de Música Tocando em Frente em Itapoá. Atua também como representante técnico do setor Comunicação e Cultura dos projetos do Ampliar pelo Porto Itapoá.

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