Hegemonia, Cultura Popular e Cultura de Massa, por Mutti Kirinus

Nem tudo o que está na boca do povo pode ser chamado de popular. Para algo fazer parte do que chamamos cultura popular, Câmara Cascudo enumera algumas características: antiguidade, anonimato, ampla divulgação e a permanência no tempo.

Assim, nem tudo que tem ampla divulgação pode ser chamado de popular apenas por esse motivo. Aqui reside a diferença entre cultura de massa e cultura popular, a primeira carece de uma permanência no tempo e origem com raízes em um passado remoto. Como bem observou Paulo César Pinheiro no seu poema sobre o gênero mais autenticamente brasileiro: ‘O choro é como um vestido de roda, que não segue a moda, que a moda não dura’. Como na sabedoria popular mais uma vez é o ‘Tempo’ o grande juiz daquilo que por ter um valor intrínseco, útil e verdadeiro foi e será guardado pelo povo para a posteridade e receberá o nome de: Cultura Popular.

As cantigas de roda são um bom exemplo para o que se pode chamar de cultura popular. Sem o auxílio da internet, das redes sociais, rádio e televisão, até o início do século passado, elas percorreram séculos de história, simplesmente porque de alguma maneira elas tinham um valor e utilidade. Hoje algumas destas melodias estão reproduzidas com desenhos e divulgadas em ampla escala, mas devem primeiramente sua existência e permanência ao longo dos séculos através da oralidade.

Há um interesse dos órgãos públicos da Cultura, na esfera federal, assim como houve nos artistas da Semana da Arte Moderna, de resgate e preservação do nosso folclore. Alguns exemplos que necessitam deste fomento e preservação são alguns gêneros musicais; o carnaval com os seus blocos e escolas, canções e desfiles; a capoeira; o fandango; o boi de mamão; a literatura oral; entre inúmeros outros que fazem parte do patrimônio histórico imaterial brasileiro.

É óbvio que a moda tem um interesse de divulgação de massa com viés puramente comercial. Os meios de reprodução e divulgação de massa podem facilmente sobrepujar a tradição e a oralidade, e aí se encontra o germe da confusão daquilo que é realmente cultura popular, ou aquilo que está na boca do povo através de uma forte campanha publicitária com incessante repetição e que denominamos cultura de massa. Para o comércio é conveniente que as pessoas pensem e consumam as mesmas coisas, a esta uniformização de pensamento, consumo e interesses, chamamos hegemonia. Na era da reprodutibilidade a diversidade gera despesa e diminui o lucro. O artista artesão sente isso na pele, pois tendo cada produto como único, não consegue competir em preço com o produto industrializado, a não ser através das pessoas que realmente valorizam a arte e o artesanato.

Um exemplo do poder da reprodutibilidade e divulgação de massa acontece com a melodia do ‘Parabéns a Você’ cantada em todo Brasil. Embora tenhamos muitas outras canções que fazem menção a comemoração do aniversário, essa melodia americana superou a todas em divulgação, pois teve junto com a oralidade, o auxílio da tecnologia de divulgação. Em 1942, no Brasil, na era do rádio, foi feito um concurso para colocar uma versão brasileira da letra sobre a melodia americana pela rádio Tupi, a maior rádio da época, precursora da TV Tupi e emissora Globo; depois houveram gravações do mercado fonográfico e ela começou a ser tocada em toda referência a aniversariantes. É claro que hoje ela já está incorporada a nossa cultura e pela sua utilidade, cantar em aniversários, permanece no tempo, muito embora ela não tenha atingido tal amplitude de divulgação apenas e primeiramente pela oralidade como as cantigas.

Sem um comprometimento com nossa história, o mercado se esforçará em fazer você cultuar alguns poucos grandes nomes da mídia, nacional ou internacional, e seus produtos comerciais, e deixar cair no esquecimento muitos daqueles que compõem e compuseram a história musical brasileira e universal. Caso possuas esta consciência crítica e histórica do que recebes via os meios de comunicação de massa ‘parabéns a você’, nas mais diversas melodias e gêneros musicais.

Mutti

Mutti

Helmuth A. Kirinus é mestre em Filosofia pela UFPR, formado em gestão cultural e músico. Atualmente coordena 8 projetos via lei Rouanet de incentivo à cultura e 4 via Sistema Municipal de Desenvolvimento da Cultura de Joinville. É professor de violão e coordenador da Escola de Música Tocando em Frente em Itapoá. Atua também como representante técnico do setor Comunicação e Cultura dos projetos do Ampliar pelo Porto Itapoá.

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