É tempo de tainha

Quando a temperatura cai, elas chegam. Ano a ano, a cultura se repete e mantem uma tradição viva: a pesca da tainha.

Falar de tainha em uma cidade como Itapoá é quase como falar de futebol em um país como o Brasil: todo mundo conhece um pouco sobre o peixe e a sua pesca movimenta todo o município. Pescadores passam os dias na praia, peixarias e mercados aguardam para comercializar e as famílias se prepararam para as diferentes receitas. E isso se dá nos diferentes bairros, da Barra ao Pontal.

Conforme o presidente da Colônia de Pescadores de Itapoá, Gabriel Pereira Gomes, a pesca da tainha é bastante aguardada, porém, não são todos os pescadores que a realizam, pois ela acaba sendo um pouco mais cara do que outras. “Ela precisa de uma rede especial, com malha específica, e não é todo mundo que tem”, afirma.

Hoje, a Colônia conta com cerca de 850 associados, sendo 400 considerados ativos, ou seja, que estão pescando e não estão inadimplentes com a Associação. Desses, Gabriel acredita que menos de 30 praticam a pesca da tainha embarcada. “Aqui, há dois tipos da pesca: a dos pescadores que cercam o cardume em alto mar, principalmente os de Itapema do Norte e da Barra do Saí, e os que pescam de forma tradicional e centenária, como os que estão mais no Pontal e na Figueira”, explica. Enquanto o primeiro grupo sai de barco, chamada de pesca embarcada, o segundo aguarda na praia e cerca o cardume próximo à costa.

O pescador João Antônio da Silva, mais conhecido como Kalanga, é um dos que pratica a pesca centenária e, com os pés na areia, fica aguardando as tainhas aparecem. Morador do Pontal, ele pesca desde os oito anos de idade e até hoje, com 65, segue a tradição que passa de geração para geração.

Diariamente, sai às 5h30 de casa e passa o dia na praia aguardando elas passarem. “Quando a noite está aberta, até conseguimos ver o cardume com a claridade da lua, mas durante o dia é mais fácil”, conta Kalanga. Segundo ele, às vezes elas pulam, mas é fácil identificar um cardume pela mancha escura no mar. Então, quando elas aparecem, o grupo de pescadores lança a rede e as puxam para a praia. “Quando já tem um comprador esperando, ele leva. Se não, chamamos um e dividimos um pouco entre nós”, fala.

Além de Kalanga, há cerca de 20 profissionais da pesca, entre pescadores e pescadoras. Juntos, eles seguem até o anoitecer: entre uma olhada e outra para o mar, entre um lance e outro da rede, é na praia que passam o dia inteiro.

Para isso, todos os anos, constroem um rancho de madeira que, mais do que um abrigo, torna-se uma extensão do lar. Cada um traz um pouco de casa, conseguem água emprestada das residências próximas e é ali que cozinham, conversam e mantêm a tradição viva, como tudo era feito há gerações atrás.

E por falar em tradição, as mulheres são grandes protagonistas. Pescadoras, elas passam o dia com os pés na areia, ajudam a lançar a rede e são as responsáveis pelo alimento. Conforme Marli Peres, do fogão à lenha, sai diferentes receitas entre, claro, as com tainha: caldo de tainha, feijão com tainha, cambira de tainha, tainha frita, entre outros.

Dessa tradição, inclusive, é que já saíram muitos pratos típicos do município. Conforme Oziane do Rosário Gomes, vencedora do concurso de prato típico da Festa da Tainha no ano passado (2019), “o que importa é conservar a forma como tudo era feito antigamente e não deixar a tradição morrer”. E com maestria, elas lutam por esse objetivo

As crianças também seguem junto, aprendendo, compartilhando momentos e torcendo para as tainhas chegarem. De acordo com Kalanga, até o início do mês de junho, no fechamento dessa edição do jornal, a pesca ainda estava fraca. “Esse é um peixe que vem de muito longe, precisa baixar um pouco a temperatura para elas chegarem”, afirma. A expectativa é que logo elas apareçam, mas nada comparado à época em que ele era criança; quando o canal do linguado era aberto, a quantidade era muito maior.

A festa da tainha

A tradição que segue à beira mar, também ganhou festa. Há nove anos, na época da tainha, o bairro Pontal recebe gente de toda a cidade para manter as raízes vivas. Conhecida popularmente como Festa da Tainha, a celebração nasceu como Evento Mais que Morador e, hoje, carrega os dois nomes.

A iniciativa é da diretoria da ACOPOF – Associação Comunitária do Pontal do Norte e Figueira do Pontal. Conforme Janayna Gomes Silvino e Eder Conceição Miranda, que faziam parte da diretoria da Associação no primeiro ano de festa, o evento surgiu com o apoio da Acquaplan, que desenvolvia projetos de educação ambiental na comunidade. Giseli Aguiar de Oliveira, oceanógrafa da Acquaplan que realizava esses projetos na época, explica que o evento foi resultado do Diagnóstico Socioambiental Participativo – DSAP do Porto Itapoá. “No diagnóstico, foram apontados muitos potenciais culturais, naturais, sociais e talentos das pessoas subutilizados ou em vias de extinção. Então, todos os potenciais foram reunidos para a celebração”, conta.

Assim, o objetivo do evento é a valorização da comunidade e o sentimento de pertencimento à cultura. “A festa começou muito simples, com algumas apresentações culturais, venda de suco e, claro, do prato típico de tainha”, lembram Janayna e Eder. Esse prato, que é a tainha enrolada na folha de bananeira, conforme Eder, é chamado carinhosamente como “boqueca” pela comunidade. E é a partir dele que toda a festa acontece.

A primeira edição iniciou apenas com o almoço e, no decorrer dos anos, a festa foi crescendo e ganhando mais estrutura. Ano passado (2019), em sua oitava edição, foram três dias de festa. “Acompanhei as primeiras festas e fiquei alguns anos fora, então ano passado fiquei impressionado com o tamanho e a magnitude do evento”, afirma Eder. Para Janayna, o sentimento é o mesmo: “fiquei muito emocionada de ver que a comunidade tem carinho e pertencimento à cultura, e está vendo que ela dá retorno”.

Neste ano de 2020, a nona edição já estava marcada, porém, em função da pandemia, foi adiada. “Estamos ainda esperando a liberação dos órgãos competentes para ver como ficará a questão de festas no município para decidir qual será a nova data”, explica Marcilaine Borges Krasnieviz, secretária da ACOPOF.

Assim, além da espera da pandemia passar, fica a torcida para as tainhas chegarem. Segundo histórias da comunidade, em anos ímpares e/ou quando os pés de goiaba e limão enchem de fruta, é sinal de que a safra da tainha será boa. Fica a torcida para que esse ano, mesmo que par, elas cheguem em peso e possam ser comemoradas junto à toda comunidade.

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Augusta Fehrmann Gern

Augusta Gern. Jornalista pela Instituição Educacional Bom Jesus / Ielusc (2012) e mestre em comunicação pela Universidade Federal do Paraná - UFPR (2017). Tem experiência em assessoria de imprensa, comunicação empresarial e redação e, atualmente, trabalha com produção de conteúdo e assessoria de imprensa.

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