“A Cultura de Não se ter acesso a Cultura”, por Mutti Kirinus

Desde a primeira coluna cultural para o Tribuna Itapoá em 22/02/2016, surgida com a necessidade de esclarecer as mentiras usadas para criminalizar a lei Rouanet, que há um ano na época já trazia benefícios para Itapoá, e que tinham interesses políticos que hoje se tornaram evidentes, diferenciei os vários sentidos do uso da palavra cultura.

É preciso fazê-lo novamente, pois é uma confusão muito comum entre aqueles que não trabalham ou possuem um maior conhecimento do setor cultural. Também preciso fazê-lo, pois esse erro está propositalmente no título desta coluna. A primeira palavra Cultura está sendo usada no sentido de hábito, ou costume; a segunda, no sentido dos bens culturais e saberes deixados como legado para a humanidade. Os trabalhadores da cultura, as iniciativas públicas no setor, as leis de apoio e incentivo à cultura precisam ter como alvo este segundo sentido da palavra cultura.

Mas, e a tal cultura popular? Não são os costumes do povo, seus saberes e narrativas? Sim, são isso mesmo, mas também o são, pensando em Cultura, no sentido de patrimônio da humanidade. Mesmo advindo da oralidade, não é qualquer conversa que é cultura popular. Para sê-lo precisa ter um valor de patrimônio cultural, por exemplo, os saberes de determinada profissão artesanal, uma dança, canções, festas, ritos, contos populares, cantigas, anedotas, provérbios, fábulas, lendas, etc., são patrimônios passados de boca em boca que podem e devem ser resgatados e preservados.

Esclarecida esta diferença, vamos ao ponto. Existe um costume dentro da nossa sociedade de consumo de não aos bens culturais herdados pela história da humanidade. Esse mesmo costume pode vir do costume, ou vício, de não se oferecer Cultura, seja pela administração pública ou pela iniciativa privada, com maior peso da responsabilidade na primeira pois tem no seu conceito cuidar desses bens sociais através dos impostos arrecadados. Mas como ela nunca teve esse costume, pois nunca foi uma de suas prioridades, mesmo agora com um recurso que deveria ser emergencial, o recurso provindo da lei Aldir Blanc, 90% das cidades do país não sabe nem como começar o processo de transformar este recurso em cultura, ou destinar para os trabalhadores culturais fazê-lo.

Esse costume de não oferecer acesso à cultura, que gerou o costume de não se procurar as poucas oportunidades culturais ofertadas, que gerou o costume de uma não valorização desses bens culturais, que gerou o desconhecimento dos diversos significados da palavra cultura e seu uso indevido, etc., são o famoso ciclo vicioso da falta de cultura e diminuição do interesse pela mesma.

No entanto, ainda temos a esperança que estes recursos, neste novo momento, possa fazer a roda girar no sentido contrário e o aumento de investimento, produtos, acesso e valorização da cultura tomem um caminho ascendente, e enquanto isso, é claro, que as mazelas que afligem a sociedade um sentido descendente.

Mutti

Mutti

Helmuth A. Kirinus é mestre em Filosofia pela UFPR, formado em gestão cultural e músico. Atualmente coordena 8 projetos via lei Rouanet de incentivo à cultura e 4 via Sistema Municipal de Desenvolvimento da Cultura de Joinville. É professor de violão e coordenador da Escola de Música Tocando em Frente em Itapoá. Atua também como representante técnico do setor Comunicação e Cultura dos projetos do Ampliar pelo Porto Itapoá.

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