
“Cultura, Arte e Natureza”, por Mutti Kirinus

Uma definição mais ampla da palavra cultura pode se dar em oposição à palavra natureza. De uma maneira geral, poderíamos dizer que cultura é tudo o que não dá em árvore, ou seja, tudo que não é produzido exclusivamente pela natureza. E, sim, possui a ação do ser humano.
É claro que a intervenção do ser humano aumentou em grau de complexidade com a evolução tecnológica e da sociedade como um todo, e com ela, o afastamento do contato com a natureza em estado mais puro foi quase que um processo natural. Essa alienação da natureza no mundo moderno, e principalmente na cultura ocidental, tem suas consequências. Entre elas, um descompasso na vivência do tempo, um imediatismo, e com ele, uma dificuldade no que necessita de um médio ou longo prazo. Novalis, antes ainda da revolução tecnológica, já havia afirmado que “o homem moderno não se ocupa de nada que não possa ser abreviado.
O contato com a natureza promove um estado de espírito que, através desse processo, também encontra cada vez menos espaço em nosso dia a dia, o estado de contemplação. Esse estado que nos faz sentir uno com a natureza e suas perfeitas formas e é mais raros devido a esse afastamento da natureza. Em Poesia Ingênua e Sentimental, o poeta e filósofo do romantismo alemão Schiller demonstra, através de argumentos, que enquanto a Ingênua era uma expressão imediata da beleza dessa unidade com a natureza; a Sentimental somente conseguia alcançar essa unidade através do sentimentalismo, de uma ampliação do sentimento para poder retornar a essa unidade através da arte.
Walter Benjamin, por sua vez, diz que o ser humano se sente em unidade com a natureza quando está feliz. E seguindo o conceito de arte da escola de Frankfurt, a verdadeira obra de arte deve carregar em si mesma uma promessa de felicidade.
Voltando à diferença entre o natural e o cultural, o primeiro carrega uma característica de espontaneidade e liberdade. O segundo é, ao contrário, uma domesticação da natureza e até de si mesmo, necessária inclusive para superar algumas adversidades do estado natural. A questão é que essa ‘domesticação’. Uma alteração do processo natural via novas regras e rotinas pode estar a serviço de outros interesses que não a emancipação do ser humano. Interesses econômicos e comerciais, por exemplo.
Nesse sentido, a arte tem dois papéis super importantes na sociedade: o de proporcionar um momento de felicidade e retorno de unidade com a natureza; e também um lugar de liberdade onde se pode exercer uma visão crítica desta ‘domesticação cultural’ que está servindo a outros interesses que não ao progresso humanístico que uniria ser humano, natureza, cultura e arte em um ciclo evolutivo e harmonioso.
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Helmuth A. Kirinus é mestre em Filosofia pela UFPR, formado em gestão cultural e músico. Atualmente coordena 8 projetos via lei Rouanet de incentivo à cultura e 4 via Sistema Municipal de Desenvolvimento da Cultura de Joinville. É professor de violão e coordenador da Escola de Música Tocando em Frente em Itapoá. Atua também como representante técnico do setor Comunicação e Cultura dos projetos do Ampliar pelo Porto Itapoá.
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