“Arte e Socialização”, por Mutti Kirinus

Não é difícil de enxergar que a grande maioria dos problemas sociais tem sua origem no individualismo e egoísmo humano. Hoje temos conhecimento, tecnologia e condições materiais, para sanar a grande maioria delas. A humanidade evoluiu neste aspecto, mas não consegue sanar essas mazelas por uma falta de evolução da sua sociabilidade, que possui um aspecto prático e ao mesmo tempo depende de uma evolução espiritual no sentido amplo do termo, ou seja, não apenas religioso.

Sociologicamente já se diagnosticou que a divisão do trabalho, que surgiu no início da idade moderna e foi reforçada pela primeira revolução industrial, e que garantiu não só um aumento na produção, mas inclusive uma evolução no conhecimento científico e tecnológico, é uma das causas de nossa incapacidade de ver o todo. E neste todo está o outro, e nesta consciência e diálogo com as alteridades está a pré-condição de um processo de socialização de melhor qualidade, e consequentemente uma sociedade mais próxima de um ideal pleno de convivência, extirpando ou amenizando as mazelas como a fome, a falta ou a desigualdade de acesso à educação e cultura, de acesso ao trabalho, transporte, habitação, entre tantas outras.

O surgimento das redes sociais e o avanço na tecnologia da comunicação e informação também não garantiram essa evolução, embora tenha um potencial enorme para isso. Pelo contrário, muitas vezes aumentou apenas o narcisismo, palavra provinda da mitologia, e que impossibilita qualquer olhar que não seja para si mesmo, e apropriada pelo interesse comercial, criou o que se tem chamado de bolhas, em que se alimentam e realimentam, através de informações (muitas vezes falsas) os mesmos interesses, ora autênticos, mas em grande parte plantados através da tecnologia, com fins de manipulação de massa. É triste, e curioso ao mesmo tempo, como essa possibilidade de aumento na comunicação foi o que possibilitou, no mundo todo, o ressurgimento de ideologias excludentes de extrema direita, de incitação do ódio, que caminham no sentido contrário de uma harmonização entre as alteridades.

No entanto, mesmo com esse cenário, e que não depende somente de uma vontade política, embora a consciência política no sentido amplo do termo e supra partidária é ponto de chegada dessa evolução, existe uma direção que o leitor dessa coluna sabe qual é, pois retornamos sempre a ela:  a Arte.

O fazer artístico em conjunto através dos grupos de estudantes, ou artistas, que se unem em uma atividade que transcende os interesses individuais, é a melhor maneira de corrigir esse vício, necessário ou não, do pensamento individualista, que a divisão do trabalho instaurou e nossa rotina diária adestrou. Nesses grupos, um vendedor de automóveis, um trabalhador da construção civil, um pescador, um empresário, um atleta, entre outros, estão novamente na condição ideal de humanidade, e a atividade artística ampla por essência consegue acolher e dar direcionamento para todos as individualidades. É através do fortalecimento dessas práticas que desenvolveremos novamente a capacidade de pensar, interagir, dialogar e estar com o outro. Quando elas se tornarem novamente parte de nossa rotina, tanto quanto o trabalho necessário para nossa subsistência, estaremos mais próximo da socialização almejada.

Mutti

Mutti

Helmuth A. Kirinus é mestre em Filosofia pela UFPR, formado em gestão cultural e músico. Atualmente coordena 8 projetos via lei Rouanet de incentivo à cultura e 4 via Sistema Municipal de Desenvolvimento da Cultura de Joinville. É professor de violão e coordenador da Escola de Música Tocando em Frente em Itapoá. Atua também como representante técnico do setor Comunicação e Cultura dos projetos do Ampliar pelo Porto Itapoá.

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