
Rótulos, por Maria Vitória Zeni

Helena rói o cantinho das unhas quando está ansiosa. Ela tem uma pinta em formato de coração um pouco abaixo da nuca e chora toda vez que assiste a Sociedade dos Poetas Mortos. Sonha em conhecer a Europa e queria ser pintora, mas descobriu que não era sua real vocação e acabou virando bibliotecária, por causa da sua paixão pelos livros. Helena não gosta muito de sair à noite e bebidas alcoólicas, e por esse motivo, as pessoas costumam chamá-la de certinha.
Sylvia adora ouvir as histórias dos amigos e é uma ótima conselheira. É viciada em blues e tem uma coleção de discos de vinil. Chora escondida todas as noites, de saudade da família, que ficou em outro estado. Nunca acerta o delineado no olho – um lado sempre fica diferente do outro. Sylvia gosta de sair com várias pessoas e não acredita muito em relações monogâmicas. Por esse motivo, as pessoas costumam chamá-la de promíscua.
Adélia tem a risada mais esquisita do mundo e uma cicatriz na perna, da vez em que caiu de bicicleta quando adolescente. Ama ir à praia e a sensação da areia entre os dedos. Poderia até ficar um dia sem comer, mas não passaria um dia sem tomar café preto. Gosta de ouvir todos os tipos de música – de sertanejo a rock – e mantém diários desde que aprendeu a escrever. Adora cuidar da casa e dos filhos enquanto o marido trabalha fora. Adélia é casada há mais de quinze anos, e por esse motivo, é conhecida como esposa do João.
Clarisse gosta de chocolate e acordar cedo para sentir o “ar da manhã”. Aparecem “covinhas” em sua bochecha toda vez que ela sorri. Ela tem como hobby procurar anúncios de apartamentos em classificados e tem um gato chamado Gato, em homenagem à Audrey Hepburn, sua atriz favorita. Faz trabalho voluntário em uma ONG de proteção aos animais. Clarisse gosta de moda e maquiagem, e por esse motivo, as pessoas costumam chamá-la de fútil.
Martha faz o melhor pudim de chocolate do mundo inteiro, segundo seus netos. Gosta de novelas, seriados, política e olhar as estrelas. Tem as amigas mais engraçadas e seu irmão como maior confidente. Sabe consertar eletrodomésticos e fazer tricô. Martha não tem medo de expor sua opinião e refutar a de alguém quando acha necessário, e por esse motivo, as pessoas costumam chamá-la de agressiva.
Quando as pessoas vão entender que somos muito mais do que os meros adjetivos aos quais nos querem reduzir? Somos mais do que esteriótipos e rótulos. Somos seres cheios de nuances. Temos corações pulsantes e mentes pensantes. Somos mais do que a irmã, a mãe, a namorada do protagonista. Somos A protagonista. E se recusar a enxergar tudo isso por não conseguir nos entender em toda nossa subjetividade, isso sim é futilidade — e não comprar sapatos ou se interessar por maquiagem.
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Maria Vitória estuda Comunicação Social pela UFPR (Universidade Federal do Paraná) e é viciada em filmes, novelas, séries e cultura pop em geral. Tem, na música, seu principal hobby. Sempre procura beleza nas coisas simples e tentar transformar tudo em palavras. Escreve também no Blog Bordando Entre Linhas (disponível clicando aqui).
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