“Afasta de mim este cale-se”, por Mutti Kirinus

colunista-mutti-principalA atual situação do cancelamento da 35ª Oficina de Música em Curitiba (PR) e os argumentos falaciosos utilizados para tal fazem ressurgir temas já abordados em nossa coluna. Saiba as verdade e mentiras sobre mais essa tentativa de desmonte cultural para Curitiba, o Brasil e o Mundo.

Os argumentos a favor desse crime contra o Brasil nas redes sociais são muito fracos. Aliás, não são argumentos, são meras opiniões. Já colocamos anteriormente que a diferença entre opinião e argumento é que a primeira não possui fundamentos, pode ser emitida por qualquer pessoa, em qualquer situação, desde que se saiba que é mera opinião e não uma verdade absoluta ou que deva ser levada em conta em decisões mais sérias como esta.

O primeiro argumento e mais recorrente é a crise financeira. Esse argumento não é válido. A oficina existe desde 1983 e já passou por crises piores, como toda a década de 80 com a inflação desenfreada e o maior período de recessão econômica da história do Brasil, 90 e 92 com o plano Collor. Além disso, o investimento em cultura não é uma economia como querem colocar. Ele, ao contrário, movimenta a economia da cidade. Aliás, meu colega produtor cultural de Curitiba, Marcelo Miguel, de quem admiro muito o trabalho, cita a cultura como o terceiro maior setor que movimenta a economia mundial. Ou seja, a Oficina de Música não só é bom culturalmente, mas também economicamente para a Cidade. Com a intenção de deixar Curitiba mais pobre culturalmente, o cancelamento vai deixá-la mais pobre economicamente também.

O segundo argumento falacioso é que A Oficina de Música de Curitiba só representa uma minoria, a classe dos músicos e artistas, e não representa a população. Não é verdade: os estudantes de música das classes populares de Curitiba e outras cidades somente podem ter acesso à profissionais de nível internacional graças à Oficina de Música. Através desse acesso, se alimentam diversas manifestações eruditas, populares, artísticas e culturais, não só em Curitiba, como no Brasil e no Mundo. Com esse corte, está se cortando também a história do povo brasileiro. Já está provado que o investimento em cultura diminui a criminalidade, aumenta o nível da educação, da cidadania e, com o aumento dessas, também da saúde. Aliás, realmente é incrível como a política que vem se reafirmando na tentativa de desmonte da cultura (ataques ao incentivo fiscal na cultura, à imagem de artistas consagrados, tentativa de fechamento do MinC – Ministério da Cultural, alusão do trabalho com a arte como despesa, desnecessária, supérflua ou coisa de vagabundo precisa ignorar a história para se sustentar.

Participei da 33ª edição da Oficina, na qual tive contato com alunos e professores do mundo inteiro. Ou seja, é preciso passar uma borracha em mais de 30 anos de incentivo à cultura em altíssimo nível para se tomar uma decisão como essa e achá-la justa, ou justificável.

O terceiro argumento é “vamos tirar da cultura para investir em saúde que será nossa prioridade”. Uma cidade é algo vivo e orgânico, não se conseguirá sanar uma dor de cabeça cortando o pé para ter mais investimento nesta parte do corpo. Mesmo que se resolva o problema da saúde, terá se criado outro que impedirá a Cidade de crescer como um todo e caminhar. Este corte irá com certeza repercutir a longo prazo em déficit na educação, aumento da criminalidade, entre outros. Ou seja, como primeira medida, antes ainda da posse, é péssimo também administrativamente para a Cidade.

O quarto agumento é que a gestão atual não se preparou para a Oficina e não se poderá realizá-la por falta de recursos. A gestão atual garantiu o recurso no orçamento do próximo ano, mas a equipe de transição quer utilizá-lo para investir em saúde. Além de lastimável, essa decisão é arbitrária. Aliás, Curitiba, como uma cidade com mais 300 anos de história, possui um Conselho Municipal de Cultura, que, juntamente com a Fundação Cultural, tem como uma das finalidades, fiscalizar os investimentos no setor cultural da Cidade. Na gestão atual, foi constantemente fomentada a participação da população e representantes da classe artística para esse fim, com notável aumento na participação. Desviar a verba da cultura para outro setor, é passar também por cima deste conselho que é o órgão oficialmente institucionalizado e o instrumento de gestão participativa da sociedade civil no setor.

O fato, não justificável é este: a Oficina, que já tinha 1020 inscritos de todos os canto do Brasil e 123 estrangeiros já havia contratado 100 professores de 11 países e foi cancelada.

Gostaria de fechar o ano com notícias melhores e com elas expressar minha gratidão aos que acompanham a coluna. Com certeza, teremos boas novas em 2017, mas não poderia deixar de repudiar este presente de Grego dado à Cultura em plena véspera de Natal. Mas o sentido da coluna é também esse, de esclarecer sobre o que é o trabalho artístico e cultural, quais os benefícios, as verdades e mentiras em torno desse trabalho, e qual a situação atual desse trabalho ao nosso redor. Desejamos que Deus ilumine nossos gestores para que ainda no período de Natal, reverta-se essa traição contra a humanidade feita pela Prefeitura Municipal de Curitiba, e que Ele consiga verdadeiramente afastar de Curitiba essa ordem de silêncio, não em prol da Saúde, como argumentamos, mas da ignorância. “Afastai Senhor, de Curitiba, do Brasil e do Mundo este: Cale-se!”

Mutti

Mutti

Helmuth A. Kirinus é mestre em Filosofia pela UFPR, formado em gestão cultural e músico. Atualmente coordena 8 projetos via lei Rouanet de incentivo à cultura e 4 via Sistema Municipal de Desenvolvimento da Cultura de Joinville. É professor de violão e coordenador da Escola de Música Tocando em Frente em Itapoá. Atua também como representante técnico do setor Comunicação e Cultura dos projetos do Ampliar pelo Porto Itapoá.

6 comentários em ““Afasta de mim este cale-se”, por Mutti Kirinus

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    27 de dezembro de 2016 em 09:52
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    Para o governo não é necessário termos cultura. É obsoleto aprecia-la. Fala-se em saúde? mas , já comprovado, que a música é uma das melhores terapia contra as mazelas do corpo e mente humana. Lamentar é necessário mas, antes de tudo precisamos participar numa ação conjunta para podermos derrubar estas arbitrariedades.

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      31 de dezembro de 2016 em 19:52
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      Sim tens razão Nadzieja, temos que participar mais. Fiquei apavorado com montante de arbitrariedades que tenho visto nos últimos tempos. Me espanta o fato de Ctba ter um Conselho Municipal de Cultura e de saber que este órgão que é oficial, e que tem a função de fiscalizar se os recursos destinados a Cultura estão sendo realmente aplicados no setor, não ter poder nenhum. É só pra inglês ver. Falta, concordo contigo, mobilização do setor para defendermos nossos direitos. Nos próprios Conselhos a participação é pequena e tímida. Mas sei também que é bem difícil sobreviver da arte e também fazer este outro papel. Mas é necessário senão não vai sobrar nada e a cultura vai minguar mais e mais. Um 2017 abençoado para ti e que tenhamos melhores notícias neste ano que está por vir. Abs.

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    26 de dezembro de 2016 em 17:33
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    Muito bem colocado! Infelizmente a cultura não é vista como meio de educaçao por alguns governantes e a minoria que defende o assunto não tem voz suficiente para calar os que deveriam ficar de boca fechada e sem caneta na mão. Mas a história mostra que o que é bom sempre da a volta por cima. Que o ano que vem seja melhor para todos! Um abraço!!

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      31 de dezembro de 2016 em 19:43
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      Para vc também meu amigo. Sabemos mais que ninguém que viver da arte e da cultura é sempre uma luta, és um guerreiro aí em Jvlle e sinto orgulho de estarmos do mesmo lado, e termos como armas instrumentos musicais. Um abençoado 2017 pra vc e sua família. Abs.

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    25 de dezembro de 2016 em 17:04
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    Com a alma lavada, endosso seus argumentos. A historia haverá de contar os verdadeiros motivos do cancelamento. Nesse tempo perde a educação dos jovens, perde a música, perde a cidade, perde o Brasil.

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      26 de dezembro de 2016 em 17:26
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      Sim, é realmente lamentável. Me espanta também a arbitrariedade com que se passa por cima de 30 anos de história. E o Conselho Municipal de Cultura? Ele não tem poder de vetar esta decisão? Ele não foi criado para fiscalizar os investimentos da administração pública municipal no setor? Estamos querendo criar um conselho de cultura aqui onde moramos, pois já virou cacoete tirar o dinheiro sempre da cultura para tapar buracos feitos por más administração e/ou corrupção. Mas se ele não tem poder nenhum começo a desanimar, rsrsrs. Não vamos desistir, tenho esperança desta situação se reverter ainda. Abs.

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