Água virtual, por Werney Serafini

O termo “água virtual”¹ se refere ao comércio indireto da água utilizada nos produtos agropecuários exportados, como soja, milho, açúcar carne e outras “comodities”.

O conceito está relacionado à “pegada ecológica”, que remete a análise de todas as etapas da fabricação de um produto, avaliando os impactos causados ao meio ambiente, desde a matéria prima básica até ao consumo energético.

Em outras palavras, considera a quantidade de água gasta para a produção de determinado produto, ou seja, o volume em m³ da água necessária para a produção de uma tonelada de soja, arroz, açúcar ou outros produtos exportáveis. Sob esse olhar, nas receitas geradas pela exportação, está agregado um valor que não é contabilizado e pode representar mais do que o equilíbexrio da balança comercial do país, mas também a sua sustentabilidade  ambiental a médio e a longo prazo.

Em termos econômicos, a representatividade na balança comercial torna as atividades agropecuárias essenciais ao país. A grande disponibilidade de terras e, principalmente, a abundância de recursos hídricos faz com que o Brasil ocupe posição de destaque no cenário mundial. Em termos ambientais, implica na transferência de um recurso que o país possui em abundância, a água doce, para países que não a dispõem. Portanto, é necessário analisar-se as consequências dessa transferência. Como está impactando a disponibilidade e a qualidade desse recurso fundamental que é a água?

Nas cidades, o manejo dos mananciais se destaca pela pressão exercida na falta de tratamento e pela relativa escassez hídrica verificada na maioria dos grandes centros urbanos. Porém, pouco se discute sobre a utilização da água na agricultura e na pecuária. No Brasil, o consumo de água pela agricultura é extensivo, chegando a representar mais de 60% do consumo total. O crescimento na produção e na exportação agropecuária brasileira nem sempre é acompanhado por uma maior eficiência na utilização da água, principalmente quanto ao desperdício e a pouca preocupação com a qualidade da água que não retorna às fontes de origem ou quando retorna, está contaminada por pesticidas ou dejetos dos rebanhos.

Água e terras em abundância não podem ser fatores determinantes para a substituição das florestas por pastagens ou grandes plantações. As culturas de grãos e a expansão da pecuária são atividades importantes para a economia brasileira, todavia o que não pode é a forma impactante que essas atividades exercem em seus frequentes movimentos para ampliação de espaço, substituindo florestas por lavouras e pastagens. É necessária uma visão holística, abrangendo as questões econômicas, políticas, sociais e, notadamente, as ambientais.

A água como produto de exportação indireta remete ao processo de dispersão de riscos ambientais em escala global, pois deixa evidente quem paga a conta da escassez em outras regiões. Os produtos agrícolas brasileiros demandam volumes consideráveis de água que “virtualmente” é exportada sem a devida contabilização.

Outro aspecto inerente a expansão da agropecuária brasileira é o permanente avanço nas florestas. Está comprovado cientificamente que as florestas são “produtoras” de água. Sem elas e sem as árvores não há água e sem água não há agricultura. Fato que, incompreensivelmente, não é levado na conta necessária de quem depende economicamente do recurso.

A supressão florestal indiscriminada que ocorre irresponsavelmente no Brasil, remete a fábula de Esopo sobre a “galinha dos ovos de ouro”, por demais conhecida.

¹ Água virtual, escassez e gestão: o Brasil como grande “exportador” de água, Roberto  Luiz do Carmo, Andréa Leda Ramos de Oliveira Ojima e Thais Tartalha do Nascimento. Ambiente & Sociedade, Campinas/SP, v. X, nº 1, p. 83/96, jan.-jun. 2007.

Itapoá, março de 2021.

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Werney

Werney Serafini é presidente da Adea – Associação de Defesa e Educação Ambiental. Acredita no desenvolvimento de Itapoá com a observância de critérios ambientalmente adequados.

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