A velha bicicleta, por Werney Serafini
O escritor italiano Giovani Guareschi, conhecido pelas histórias de uma pequena aldeia, onde vivia Padre Camillo, católico fervoroso e teimoso, sempre às turras com o alcaide comunista Dom Peppone, traz uma singular descrição do veiculo de transporte mais utilizado no inicio do século passado: a bicicleta.
Em Bassa, o pequeno vilarejo, todos, sem exceção, dos oitenta aos cinco anos de idade, andavam de bicicleta.
Os jovens causavam admiração quando, ao pedalarem de lado, colocando uma perna por baixo do quadro faziam com que ela ficasse totalmente inclinada.
Os velhos camponeses, obrigatoriamente, utilizavam as do tipo ‘bicicletas de senhora’ e os mais aquinhoados, geralmente obesos, as antigas ‘Triumph’ de quadro alto e reforçado, utilizando para montá-las um duplo estribo fixado no eixo da roda traseira.
As bicicletas de Bassa contrastavam com as das cidades grandes, chamativos e cintilantes objetos de metais especiais, instalação elétrica, várias marchas, bagageiros, odômetros e outras tantas parafernálias. Não eram consideradas bicicletas, mas brinquedos sofisticados.
A verdadeira bicicleta deveria pesar não menos que trinta quilos. Ter camadas de tinta sobrepostas, indicativo de que tinha sido pintada mais de uma vez. A autêntica deveria ter somente um pedal, mesmo que dele restasse somente o eixo que, polido pela sola da botina, brilhava ao sol, aliás, a única coisa brilhante no conjunto.
O guidon, desprovido dos punhos, não deveria ficar perpendicular ao plano da roda, mas enviesado, para a direita e para a esquerda, ao menos uns doze graus. Não poderia ter para-lama traseiro, apenas o dianteiro, com um pedaço de pneu velho, de preferencia vermelho, preso na extremidade para evitar os respingos de lama. Caso tivesse para-lama traseiro, para não causar a lista de barro formada nas costas do ciclista nos dias de chuva, deveria ser cortado em determinada extensão, para permitir a famosa ‘frenagem americana’, que consistia em parar a roda traseira com a pressão dos fundilhos.
As bicicletas em Bassa não tinham freios e os pneus, cortados e gastos, eram remendados com pedaços de câmaras velhas, produzindo aquelas protuberâncias que transmitiam as rodas um espirituoso movimento ondulatório.
Somente com essas características, a bicicleta faria parte da paisagem não chamando atenção como acontecia com as sofisticadas bicicletas de corrida que, comparadas às de Bassa seriam como bailarinas em comparação as substanciosas donas de casa do vilarejo.
Em Bassa a bicicleta era tão necessária quanto os sapatos, talvez até mais, pois quem não os tivesse, mas possuísse uma bicicleta, poderia andar comodamente com ela; no entanto, tendo sapatos e nenhuma bicicleta, teria que andar a pé.
A narrativa faz lembrar as bicicletas dos pescadores de Itapoá que, vez por outra, transitam enferrujadas pela praia, trazendo na garupa uma pequena caixa plástica, tipo engradado de garrafas.
Talvez como a da história do seu Lelé, que nos bons tempos, pedalava do Pontal a Guaratuba (PR) para vender o camarão pescado.
Ela é real e existe. Está na peixaria, pendurada na parede há mais de trinta anos. Garante o seu Lelé, que só não é mais usada, porque os filhos sumiram com as rodas.
Inverno, 2016.
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