Reflexão x Repetição, por Mutti Kirinus

Fomos ensinados a repetir fórmulas, físicas, matemáticas, dados históricos, científicos, regras gramaticais, etc. De uma certa maneira, o espaço na grade curricular escolar, e também na rotina do homem contemporâneo, não fomenta, nem propicia a reflexão. Em termos de benefício, tempo dedicado e dificuldade, reflexão e repetição são inversamente proporcionais.

Este é um fato puramente cultural, como são todos os temas abordados por esta coluna. Explico: quando crianças somos curiosos e perguntativos. Na época da graduação participei de cursos de Filosofia para Crianças e haviam muitos dados e argumentos que comprovavam que esses pequenos seres são muito afeitos à questionamentos filosóficos e possuem grande interesse e capacidade de colocar e respondê-los ao seu modo. Este programa importado da América do Norte foi, e ainda é, aderido em algumas escolas particulares brasileiras, mas não com uma grande adesão. No ensino público a Filosofia, foi retirada no período da ditadura Militar, há 12 anos novamente tornou-se disciplina obrigatória no ensino médio, e voltou a ser facultativo 2 anos atrás. O que importa saber no momento é que a reflexão faz parte da natureza humana desde a infância e deixa de fazer parte por uma influência cultural de nossos dias.

Outro lugar fértil de reflexões é o campo das artes. A literatura, ao colocar-se no lugar do autor ou do personagem gera empatia e reflexão. A reflexão está também intimamente ligada a imaginação, é preciso além de se colocar no lugar do outro, imaginar hipóteses, compará-las e através de uma síntese reflexiva emitir um parecer.  Neste campo também a vivência das artes seja como processo de contemplação estética ou de processo criativo teriam grande valor. No entanto, no currículo escolar ela também tem espaço reduzido e no dia a dia do mundo adulto igualmente.

A repetição sem sombra de dúvida exige menos esforço, mas produz resultados pouco edificantes. Walter Benjamin, afirmou em aforismo que ‘convencer é infrutífero.’ Ou seja, gerar reflexão seria mais produtivo do que convencer alguém da sua opinião. Mário Quintana, em um poema, afirmou que seu leitor predileto não era aquele que leu o poema até o fim, mas o que parou em determinado ponto e ficou pensando… O indivíduo que repete repassa indiferentemente uma opinião, o que reflete, mesmo que concorde com a opinião coloca um pouco de si na mesma. Nada passa pelo processo reflexivo indiferentemente.

O último processo eleitoral revelou como a repetição, com auxílio do poder econômico nos meios de comunicação e marketing, pode condicionar opiniões; e como a ausência de debates argumentativos de ideias e propostas neste processo nem sequer foi considerado importante por grande parte da população.

A arte e a Filosofia são seu habitat natural, não que ela não possa estar presente em outros setores. Ao questionar-se abre-se mão de certezas por mais repetidas que tenham sido, abre-se o campo para a reflexão com auxílio da razão e imaginação.  Esta abertura natural no ser humano desde a infância deve ser incentivada e mantida. Esse processo é infinito e no fim das contas, ‘o  que se aprende mesmo é a fazer maiores perguntas.’ (Guimarães Rosa).

Mutti

Mutti

Helmuth A. Kirinus é mestre em Filosofia pela UFPR, formado em gestão cultural e músico. Atualmente coordena 8 projetos via lei Rouanet de incentivo à cultura e 4 via Sistema Municipal de Desenvolvimento da Cultura de Joinville. É professor de violão e coordenador da Escola de Música Tocando em Frente em Itapoá. Atua também como representante técnico do setor Comunicação e Cultura dos projetos do Ampliar pelo Porto Itapoá.

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