“O amor e os amores”, por Werney Serafini

Nas redes sociais o tema em voga é o amor. Repentino e instantâneo, pontual e volátil, tal qual a própria mídia. Na verdade, o que mais se fala é de amores, do que acontece entre homens e mulheres e tem de tudo, pouco talvez, do que seja verdadeiramente  o amor.

O amor não se resume ao que homens e mulheres sentem uns pelos outros. Ao homem amar a mulher e a mulher amar o homem. Outras  coisas podem ser amadas, a arte, a ciência, a mãe ao filho, o crente a Deus e até mesmo o gosto por café e chocolates. Daí se ter cuidado para não considerar essência do amor, os atributos das coisas que podem ser amadas.

 Não existiu filósofo que, em algum momento, deixou de pensar uma teoria sobre o amor. Assim foi com Platão na Grécia antiga, São Tomás de Aquino na idade média, Spinoza, no século XVII e tantos outros depois.

São Tomás seguiu a tradição grega, dizendo que amor e ódio são formas de desejo e apetite. Amor como desejo de algo bom, enquanto o ódio como o desejo de algo ruim. Na Renascença, o amor foi levado à estética; “o amor é um apetite de beleza”, dizia Lourenço, o Magnifico.

 Entender o desejo é a  base para compreensão do amor. O que é amado, em algum sentido ou forma é desejado. No entanto, muito do que é desejado não é amado no plano sentimental. Desejar um bom vinho, por exemplo, não significa amá-lo, ou ainda, num sentido ambíguo, o viciado sentir desejo e ao mesmo tempo ódio do vício, dado ao prazer proporcionado e a consequente ação nociva.

Desejo implica em posse e termina depois de satisfeito. O desejo é passivo, vem  ao amado, ao centro da atração. O amor é ativo, quem ama vai ao amado e nele permanece. No amor, a pessoa sai de si e passa a gravitar em torno do amado.

Para Spinoza, amor e ódio, tem base emotiva. Amar é alegria com conhecimento da causa; odiar é tristeza unida ao conhecimento da causa. Amar é estar alegre e se dar conta de que essa alegria provém de alguém ou de algo. Contudo, amar não se resume em alegria ou tristeza. Quem ama a Pátria, por exemplo, poderá até morrer por ela; o mártir poderá sucumbir pelo amor a causa.

O modo como o amor começa é semelhante ao desejo. O objeto, coisa ou pessoa, o excita. A alma de quem ama é delicadamente ferida pelo estímulo que vem do objeto do amor. Do objeto, brota o amor e em sentido inverso ao desejo, vai do amante ao amado. Não se pode ir ao Deus que se ama caminhando e amar a Deus é ir ao seu encontro. Ao amar, abandona-se a quietude e, assentado em si próprio, emigra-se virtualmente até o objeto do amor. O constante emigrar é o estar amando.

Os amores, assim como o pensamento e a vontade, são atos pontuais, instantâneos, duram pouco e acontecem num abrir e fechar de olhos. O amor, ao contrário, prolonga-se no tempo, é fluido e contínuo como uma fonte cristalina.

Amor e ódio seguem na mesma direção, porém em sentido inverso. No ódio, se vai ao objeto, porém contra ele, o sentido é negativo. No amor também se vai ao objeto, porém a seu favor, o sentido é positivo.

O amor e o ódio são quentes. O amor tem diferentes intensidades, maiores ou menores. O calor do amor é percebido ao se olhar o objeto amado. O amor se afana em torno dele. Nos amores, predomina o desejo, o gozo sobre o desejado. No amor, o amado é envolvido em uma atmosfera que o cerca com carícia, afago e mimo. Diferente do ódio que proporciona uma atmosfera maléfica e destrói virtualmente.

No amor, as pessoas se sentem unidas ao amado, mesmo sem a proximidade física. O amado pode estar longe, às vezes, nem se sabe dele, mas está presente como numa convivência simbólica. A alma parece se dilatar para reduzir essa distância e isso é uma espécie essencial de união. É como dizer a alguém: conte comigo, estou ao seu lado. O ódio alija a pessoa do amado, mantém uma distância radical, abre um abismo. O amor é coração com coração, é concórdia. O ódio é discórdia, dissenção metafisica, é não estar com o odiado e ao mesmo tempo estar com ele.

Amar uma pessoa é se empenhar para que ela exista, é não admitir que se possa estar em um universo onde o amado esteja ausente. É dar vida ao que de nós intencionalmente depende. Amar é vivificação perene, criação e conservação intencional do amado. Odiar é anular e assassinar virtualmente. Amar é ato da alma que vai ao amado em fluxo constante, envolvendo-o em uma cálida corroboração, unindo-se a ele e afirmando o seu ser.

O amor é o maior ensaio que a Natureza faz para que cada indivíduo saia de si mesmo.

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Werney

Werney Serafini é presidente da Adea – Associação de Defesa e Educação Ambiental. Acredita no desenvolvimento de Itapoá com a observância de critérios ambientalmente adequados.

Um comentário em ““O amor e os amores”, por Werney Serafini

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    6 de abril de 2020 em 16:39
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    Parabéns, Weney, belíssima crônica!
    Esperamos revê-lo com alegria e saúde em tempos mais amenos.
    Abraços, virtuais, no momento,

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